• XXI Maratona do Porto


    • ATLETISMO
    • 12 novembro 2025 | Luís Miguel Santos
  • Sou "freguês" da Maratona do Porto, desde 2006 e apesar de não ser totalmente assíduo, é uma prova que gosto bastante de fazer, mesmo ela sendo-me um pouco madrasta: bom percurso, boa organização, mas raramente ali fiz tempos de "nomeada".

    Este ano, o objectivo era puramente chegar ao fim, cortar a meta nas melhores condições possíveis e trazer para casa a almejada medalha. Um ano que tem sido particularmente áspero, não me permitiu ter cabeça para pensar em veleidades desportivas. Era chegar lá, correr e não me estragar.

    Mas uns dias antes, a minha madrinha veio sondar-me para a ajudar na maratona. Combinamos fazer um mealheiro na prova: marcar um ritmo certo e depois chegando aos 30kms, logo se veria o que nos sobraria para gastar nos 12km finais, tendo ficado acertado que se um de nós arreasse, o outro seguia sem olhar para trás.
    No dia da prova e no meio daquele mar de gente, encontro-a logo nos primeiros metros da prova e temos perto de nós o balão das 4h15. para já não é coisa que nos preocupa, os primeiros quilômetros servem para aquecer o corpo e ambientar. Além do mais, vai ainda tudo muito compacto e andar a fazer ziguezagues, apenas nos iria desgastar precocemente. Assim, mantemos o marcador à vista e lá vamos nós para a primeira volta.

    Pelos 5kms, começamos a notar que o marcador vai algo adiantado e assim ainda iria arrebentar uns quantos. O homem justificou-se com a necessidade de compensar o tempo de espera para cortar a partida - cerca de 3 minutos - e diluir essa diferença ao longo dos 42kms. Não nos convenceu, mas mesmo ele indo mais rápido, nós acabamos por ultrapassar o artista.
    Até aos 15km viemos todo tempo a pôr a conversa em dia - ou quadrilhice - mas sempre atentos ao ritmo para não fazer borrada. Andamos sempre em torno dos 5,45 / 5,50. Modesto será, mas era o que se podia arranjar e teria que servir.

    A cada 6 kms lá ia tomando o meu gel, em cada posto de abastecimento, uma garrafa de água sempre sem parar: era pegar, abrir, espremer para dentro da boca e fazer pontaria aos caixotes do lixo. Estava a sentir-me bem ! No decorrer da prova, noto que ultrapassamos mais do que somos ultrapassados e começo a ter a esperança de ir assim até à meta. Mas ainda estava a meio da prova ou pouco mais e as coisas começam a afunilar sempre mais para diante. Os treinos insuficientes que fiz para uma maratona, seja que objectivo for, talvez se notassem lá mais para diante. E eu esperava que fossem mesmo muito tarde, aí pelos 42 km, que se notassem. Alimentava a esperança de cortarmos a meta juntos, naquela toada, ou então...lá para os 30/35kms dar o estouro como a castanha. Pelo caminho, tentei pensar a prova em blocos de 10km e de facto até aos 30km o relógio ia a cantar bem a passagem dos quilômetros. Perto dos 30km começa a anunciar a minha trovoada: estava sentindo dores nos tornozelos que começavam a subir para os gêmeos. E a madrinha a dizer que eu estava com bom ritmo, que estava com dores nos ísquios e eu que seguisse porque ela ia gerir a partir dali. Pois sim ! Mal sabia ela que aqui o afilhado já ia a ameaçar ruína...

    No abastecimento dos 30 km, pela primeira vez no dia, paro para apanhar a garrafa de água e comer um dos pacotinhos de fruta que tinha ali. Retomo lentamente a correr e ela nem vai assim muito longe. Mas as dores intensificam-se e volto a caminhar. Até ao túnel, passo a alternar corrida e caminhada, mas o ritmo baixa bastante. Entretanto, claro, está deixo de a ver. Agora o desafio é gerir-me até à meta.

    As dores musculares são muitas. Sinto o corpo a retesar-se. Sinto o desenho dos meus trapézios entre os ombros, pescoço e coluna. A corrida - que corrida ? corrinhar ! - é cada vez menos frequente e estranha. Noto que alguns que tinha de início passado por eles, agora era o inverso. Paciência...o objectivo não é o tempo, mas gerir o corpo até à meta.

    Por mais que uma vez sinto que uma espécie de linha pendurada desde o alto da coxa até aos gémeos. "Querem ver que os calções estão a descoser-se ?" Por mais que uma vez, passo a mão para sentir a tal linha e não a encontro. Num dos muitos momentos de caminhada, olho para a perna e descobri a tal "linha" : tinha um traço longitudinal, cavado na musculatura. Os músculos estavam a ameaçar câimbras, e das fortes, a todo o instante. Tento alongar e então foi bem pior. Parei com isso e segui conforme pude. Por vezes tento colar-me a alguém que passa, também já bem moído, mas é coisa de pouca duração. Tenho de continuar na minha peregrinação...

    Já muito perto da meta, sinto o corpo a ameaçar bloquear, acho que não há parte do corpo que não me doa. Até quando fui coçar o ombro, fico com o braço preso em cima com uma valente câimbra do radial do antebraço. Nunca vi tal ! Eu que me gabava de muito raramente sofrer desse mal, hoje foi uma dose bem aviada, à moda do Porto . Apre !

    Subo a rua em direção à meta - faço ideia a minha linda figura - e entrando na zona que leva à meta, lá consigo correr minimamente - geralmente nestes últimos metros o corpo dá-me sempre uma tréguas - e corto a meta com 4h30. Não será famoso, mas é lucro !

    Uma foto para mais tarde recordar - nem pareço o desgraçado que andou a arrastar-se até ali - encosto-me às grades e finalmente toda a pressão da prova, da gestão da mesma,das dores, de todo o ano, desaba ali mesmo...

    Considerações finais :
    Cometi erros que tinha obrigação de os obviar com a experiência que tenho.
    Não fazer treinos longos suficientes, quer em tempos e distância, e não ter ritmo competitivo de provas longas, não ajuda.
    Experimentar gel novos na prova também não se deve fazer e na prova tive a "brilhante" ideia de experimentar um gel que estavam a fornecer aos 20 kms. Ia vomitando ali mesmo !
    Não levar cápsulas de sal / eletrolíticos idem. Podiam nem adiantar, mas subsiste a dúvida.
    Só me faltou comprar umas sapatilhas e meias na véspera para estrear na prova!
    Por outro lado, mesmo bem treinado, por vezes corre tudo mal. Não há duas maratonas iguais, nem mesmo num percurso do qual já conhecemos de trás para diante.
    Mas enquanto cortar a meta e sentir que valeu a pena ali estar, não deixarei de repetir aquela, ou outra prova e fazer os possíveis por repetir a cada ano.

    Os agradecimentos vão direitinhos para:
    A minha equipa - Lebres do Sado - pelo convívio antes e pós prova, com alguns estreantes na maratona;
    Ao Sousa pela hospitalidade e a amabilidade de nos acolher em sua casa;
    E por fim, dedico esta maratona à minha esposa — que, mesmo a viver a sua própria batalha, nunca deixou de estar ao meu lado. Naquele dia, esperou-me com a mesma força com que eu tentei chegar à meta.

    Luís Miguel Santos